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por Asséde Paiva
(rosarense), bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo (premiado no IX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília); Brumas da história do Brasil. RIHGB nº 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, s.d. Trabalhou na CSN 35 anos.

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O VISITANTE DA ESTRELA
De como transformar a dor em saudade
* Republicado no site em 07/03/2014

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Stamos no Empíreo...

Deus chamou seus anjos para lhes designar as missões do dia. Todos esperavam, todos temiam. “Filhos meus, vamos escolher os que irão a Terra formar novos seres, para minha sempre eterna grandeza e pela evidência do meu poder criador.”

Os anjinhos ficaram tensos, esperando mais esclarecimentos: “Para aonde iriam? Que país habitariam? Seriam felizes como no céu?” Tantas as dúvidas, ficar no céu era muito bom. As decisões de Deus não são discutíveis, tão-somente cumpridas. Os anjinhos formavam aquele coro em alegres gorjeios, entoando salmos e cânticos em louvores ao Altíssimo. E estavam muito bem assim e bem também quando eram simplesmente estrelas espalhadas pelo firmamento, luzindo, piscando, piscando... Sempre temiam o momento da partida para o imprevisível, o desconhecido. Mas todos os dias, eles tinham que ouvir novas ordens e cumpri-las. Assim tinha que ser.

E Deus apontou o dedo indicador para um na multidão de anjos. Logo, um raio de luz atingiu o escolhido e este desapareceu. Ele seria transformado em mensageiro da boa-nova na Terra. Iria levar grande alegria ao lar que lhe fora designado. Papai ficaria feliz ao saber que sua esposa estava grávida e ela, feliz porque seria mãe. E eram milhões de seres felizes, orgulhosos, naquele Planeta Azul, vagando, rodando pelo infinito cosmo.

E Deus apontou para outro anjo, mas este se esquivou, pois era serelepe e o raio por ele resvalou, atingindo inesperadamente outro anjinho, que desapareceu instantaneamente, indo cumprir a missão: trazer felicidade a um lar. Deus não ficou nada feliz nem satisfeito com a peraltice, com o negaceio do anjo escolhido. Ninguém poderia sequer ousar ou sonhar em desobedecer as Suas ordens. [Em remotos tempos, um arcanjo, da alta hierarquia angélica, por soberba, revoltou-se, mas isto fora uma exceção. Deus o castigara duramente, e sofrera também, pois o revoltoso, Lúcifer, era o bem-amado, o espalhador de luz ou portador da luz]. Deus quedou-se pensativo: “Minha criatura mais bela está no exílio, contudo, no fim dos tempos, ele será redimido, virá a mim; todos que criei são centelhas do Criador”.

E Deus, tendo terminado as designações do dia, chamou o anjo arredio para uma conversa: “Por que fugiste da minha indicação? O casal que te indiquei seria muito mais feliz porque adoram filhos, amam família numerosa.” O excelso Pai parecia zangado.

“Meu Criador, perdão! Perdão! Estou tão feliz no céu que me assustei por ter que partir Pai! Fiquei com medo, sou espírito das estrelas, gosto de pular nas suas pontas, de mergulhar no sol e cutucar as minhas irmãs na Ursa Maior. O que me espera? Para aonde vou? Como serão meus pais lá? Quais as dores devo passar? Num momento de suprema dúvida, preferi ficar, mas seja feita Sua vontade, não a minha”.

E Deus disse: “Meus desígnios são inescrutáveis, sei de tudo, sou onipotente, onisciente e onipresente, poderia dizer-te o que te espera, aonde vais, enfim todos os detalhes de uma vida, mas seria supérfluo, ou melhor, inconveniente, o bonito do futuro é viajar sem saber o que acontecerá, mesmo porque se soubesses, não haveria mérito na tua ida a Terra. Tu te esquivarias das dores previstas, das privações, e só procurarias gozar das coisas boas. Será preciso usufruir de bons e maus momentos para se ter alguma valia, alguma finalidade na tua viagem” E o anjinho respondeu: “Ó Supremo Mandatário, Altíssimo, Pai misericordioso, obedeço, hosanas! Mas, aprendi que és sumamente bom e não queres o sofrimento de Seus filhos, eu sou seu filho, humilde servo, seja benevolente comigo! A Terra é muito hostil. Desculpe, o terror está superando minhas forças. Prefiro mil vezes saltitar nas estrelas”.

E Deus teve pena, o anjinho era muito belo e gracioso. “Meu filho, sei, afinal sou onisciente, muitas aflições fustigarão tua alma, teu corpo, tua mente, porém, forçoso é que vá; muitas alegrias o esperam também. Há uma família que te quer, vou te dar a oportunidade, a honra de ser nômade, tal qual meu filho Jesus, foi.”

“Gloria in excelsis Deo! Pai, por favor! Deixai-me ficar por aqui, estou bem, tenho amigos e o Vale de Lágrimas ou Terra de Expiação não me agrada. Eu não quero partir! Aqui estou, aqui ficarei!” Bateu o pezinho, teimosamente. E não era bom teimar com Deus...

E o Senhor Deus, que tudo pode; até a queda de um fio de cabelo só se dá por sua vontade, olhou com interesse para aquela criatura mimosa, bela, suave, refletiu: “Como sou o superlativo do bem, sumamente bom e justo sei o que espera este delicioso espírito. Se concordar com ele, estarei reduzindo sua possibilidade de crescimento pessoal, de evolução, pois: ‘A cada um segundo suas obras, seus méritos’, esta é minha Lei maior. Por outro lado, meus dons não são passíveis de exame dos mortais. Eu Sou o que Sou, tenho dom da graça, o meu dom preferido. Concedo a benesse a quem julgo por bem dar, sem critérios ou parâmetros de que o beneficiado os merece ou não. Será que estou sendo injusto se deixar este pequeno ficar aqui? Amo a todos igualmente, mas este menino é muito alegre, está sempre me louvando, entoando cânticos, tocando a flauta doce, preciso estudar este caso”.

E assim, o Divino Pai dispensou a presença do adorável anjo e recolheu-se à Mansão Celestial, para verificar se havia jurisprudência, Ele sabia que não. Deus cismou, meditou, pensou e chamou o anjo para uma conversa a sós.

“Meu filho, é forçoso que vás àquela família que te espera e deseja há muito. Ela vai receber-te com muita alegria; eles gostam de muitos filhos. E estão tentando te conceber a anos, minha decisão anterior é irrevogável, é irretratável e é necessária para manter o equilíbrio cósmico, aquela questão da flor é um fato...”

“Oh, sapientíssimo Pai! Esta não conheço”, interrompeu o anjo.

“É a que diz: ‘A queda de uma pétala de rosa perturba a mais distante estrela’. Por equidade para com outros anjos, vou te conceder a graça de voltar bem rápido, rapidíssimo. Aquela família que tanto te espera, já recebeu sua irmãzinha e agora vai te receber por momentos. Eles verão o menino lindo, fruto do amor e do meu amor pela humanidade. Ficarás apenas alguns instantes e depois voltarás a Mim. Mas terás uma tarefa para o futuro: serás o anjo de guarda de aquele ser que desceu em teu lugar”.

E o anjo desapareceu num raio de luz. Mas ele era mesmo gaiteiro, veio brincando, cantando, pelas estrelas, pulando aqui e acolá e chegou a ficar minutos dependurado na ponta da lua-crescente. Depois, passou por nuvens, fez chover em alguns lugares e desceu num raio de prata.

Meses depois veio à luz gêmeos, um casal. Após o banho, em um tacho com água pura, vinho, flores, ervas e perfumes, o menino foi levantado em direção à lua, pela avó, que entoou este cântico:

Lua, lua, luar
Toma teu andar
Leva esta criança
E me ajude a criar
Depois de criada
Torna a me dar

E Lucas, como convém a um anjinho nômade foi embora, partiu num raio de luar, direto a galopar no cavalo de São Jorge.

Leitor! Olhe bem. Olhe bem a Lua. Se não vires Lucas na garupa de São Jorge é porque ele está brincando com Julia (a irmãzinha), seguindo as instruções de Deus... Por isso, ela, lá na terra, acorda sempre sorrindo.

Este conto foi escrito em homenagem ao nosso netinho Lucas, que nos iluminou e foi embora, deixando-nos uma tristeza infinda...


FINIS


Publicado no Benficanet em 26/03/2012

Comentários

Natália Faria - Goiabal - Barra Mansa - 10/03/2019
Lindo texto. Pura expressão poética. Meu amigo Assede Paiva, grande escritor, tocou meu coração. Parabéns!

José Luiz Seabra Barbosa - Itacuruça - 10/03/2019
Obrigado por partilhar comigo.

Asséde Paiva - Volta Redonda - RJ - 28/03/2012
Estou alegre porque gostam dos textos de minha lavra. Obrigado a todos.

Alcione e Alexandra - Viçosa - MG - 28/03/2012
É um conto muito lindo e emocionante. Parabéns.

Miguel Ribeiro Gomide - Centro - Juiz de Fora - MG - 27/03/2012
Asséde Paiva - consagrado escritor, poeta, historiador e memorialista natural do histórico burgo Rosário de Minas. Tudo que ele escreve em seu estilo escorreito, transforma-se em reluzentes filigranas. Emocionante a estória do anjo Lucas que voltou ao céu!... Nosso abraço, Asséde, sem mais palavras.

Alessandra Patrícia (Benficanet) - 27/03/2012
Sr. Asséde, é e
mocionante tê-lo compartilhando tão belas estórias aqui no Benficanet.
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