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Recordar é Viver!

por Asséde Paiva
(rosarense), bacharel em Direito e Administrador. Autor de Organização de cooperativas de consumo (premiado no IX Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Brasília); Brumas da história do Brasil. RIHGB nº 417, out./dez. 2002; Possessão, São Paulo: Ícone Editora, 1995; O espírito milenar, Goiânia: Editora Paulo de Tarso, s.d. Trabalhou na CSN 35 anos.

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R E M I N I S C Ê N C I A S
Em cada lugar que passei, ficou um pedaço de mim.

Antes que tudo acabe, antes que o vento leve, vou registrar algumas lembranças de um bairro de Juiz de Fora, onde passei quase um ano e que muito me marcou: Benfica.

Corria o ano de 1952...

Meus pais após residirem 12 anos em um lugarejo denominado Chapéu D’Uvas, se mudaram para outro local, bem maior: Benfica. Tudo ia de mal a pior para meu pai. Já pensou na palavra urucubaca? Pois é! Esta palavra quer dizer azar supremo e era assim que meu pai estava. Ele ia contra a maré. Nada dava certo. Em Benfica, comprou um açougue em sociedade com meu tio Joaquim Minga, e logo desfez o negócio fazendo com que meu tio se virasse como charuto na boca de bêbado para arranjar dinheiro e pagar meu pai. O velho, sem tino e sem destino, resolveu mudar mais uma vez e foi parar em São João de Meriti, no Estado do Rio de Janeiro, baixada fluminense, onde a febre amarela dava até nos paus. Eu fiquei em Benfica, pois cursava o quarto ano ginasial, no Granbery e parar de estudar seria enorme prejuízo na minha educação, na qual meu pai acreditara e investira tanto. Pois bem, fiquei em casa de meus tios, em Benfica, numa quase-rua na parte de baixo da linha férrea. Meus tios, doces tios, me abrigaram alguns meses. Passamos privações porque meu tio não estava bem de bolso. Ele era alfaiate, Joaquim Almeida era seu nome e tinha pouquíssimos clientes. Ganhava alguns trocados tocando saxofone em bailes. Além do mais, meu tio, bom homem, tinha de cuidar do seu primeiro filho, meu afilhado José Gabriel. Eu morei, se não me falha a memória, à rua Maria Eugênia, onde tirei foto com dois amigos, minha tia Maria e o afilhado. (Foto abaixo).

BENFICA, 1952



1 Tia Maria com meu afilhado no colo;
2 Babá de José Gabriel;
3 Didinho;
4 Terezinha (irmã de Tia Maria);
5 O autor (Asséde);
6 Didinho (Jair);
7 Asséde (o autor);
8 Mazinho (Itamar);

Debruçado no peitoril da janela desta casa, eu ficava vendo os trens indo e vindo: os de carga; o misto; os expressos S1 e S2; os rápidos R1 e R2; os noturnos N1 e N2. (O noturno não o via porque estava dormindo). Naquele tempo, o bairro Benfica era movimentado entroncamento ferroviário: o Xangai, que levava operários para a fábrica de pólvora, logo ali; o ramal de Lima Duarte, cujo trem ia para lá, era o MJ ou Penido. Não me perguntem por que tinha este apelido! Ainda ao lado da via férrea via-se a cooperativa de produtores de leite. Tudo era difícil para nossa família. Só Deus sabe o duro que passamos.

No período que morei em Benfica, pegava uma condução às cinco da manhã para chegar ao Colégio, as seis; esperar as sete, para o início das aulas. Imaginem que nesta data, 1952, o asfalto terminava no posto de fiscalização que ficava em frente à estação ferroviária. O povo chamava a fiscalização de Tábua. Atrás desta tábua, um grande armazém de secos e molhados.

Saindo de Benfica, na direção da cidade de Juiz de Fora, ficava a fazenda dos Barbosa e, na direção de Barreira do Triunfo estava a fazenda de Miguel Marinho, cujas belíssimas filhas (pareciam misses), causavam o maior furor entre os rapazes, nas festas dos povoados circunvizinhos: Paula Lima, Dias Tavares, Barreira, Chapéu, Ewbank da Câmara, Igrejinha e outros. Foi nesta data que comecei a fumar, beber e farrear (socialmente falando). Estava com dezoito anos, queria me afirmar. Adolescência é assim mesmo.

Quero deixar registrado um nome que jamais desapareceu de minha mente: meu colega de classe que se chamava Fernando Fonseca Lima. Morava numa fazenda na direção de Igrejinha, no ramal de Lima Duarte. Seria a fazenda Saudade? Fernando (seria ele filho ou neto de Delfina Fonseca Lima?). Ele e eu tínhamos sinergia; ele era diligente e inteligente aluno. Nós dois sempre disputávamos as melhores notas e para meu desconforto ele sempre ganhava de mim, mas não fazia alarde disto. Pois bem, o pai de Fernando era seu Eitinho ou Edinho; o nome certo, não sei. Fernando, um dia, me apresentou sua prima Marília que beleza! Foi um relâmpago e eu me apaixonei por ela. Onde andará Marília, hoje? Não sei, mas gostaria de saber, de vê-la. Não é por nada, não, é só saudade do que não aconteceu. Na verdade, na verdade, vos digo: foi a mais bela que já vi. Na época em que residi em Benfica, adoeci gravemente e por longo tempo tomei injeções. Hoje estou convencido de que adoeci de fraqueza.

Voltando a Fernando, nós frequentávamos o cineminha da FEEA, acho que se chamava cine Auditorium (onde assisti Ben Hur, em preto e branco); bem como, frequentei a biblioteca. Foi nela que li a coleção inteira de Tarzan, de Edgard Rice Burroughs. Também li Pimpinela Escarlate; Visconde de Bragelone, de Dumas e outros romances, como:As Minas de Prata; Iracema; Tronco do Ipê, de José de Alencar. Chorei de emoção por Cosette e Marius, heróis de Os miseráveis, de Victor Hugo.

Frequentei poucas vezes a igreja católica de Benfica, nem sei qual o seu padroeiro, porque sendo católico, meu colégio metodista, não incentivou minha religiosidade, pelo contrário. Hoje, nem sei o que sou...

Pena que nunca mais vi Fernando Fonseca Lima. Depois soube que morrera em desastre de carro na serra da Mantiqueira, pouco depois de se formar em engenharia. Que sua alma repouse em paz!

Continuando a lenga-lenga sobre Benfica na minha vida, frequentei um bar no início da rua Martins Barbosa, com meu amigo Didinho (Jair Moreira de Novais), assistindo-o jogar horas a fio, sinuca. Que chatice !!! Detesto sinuca. Didinho, meu amigo de infância e na adolescência. Nunca tivemos divergências insanáveis, passeamos e divertimos a valer; depois, cada qual seguiu o seu destino, sendo o dele mais trágico do que o meu. Amigo Jair, eu tenho saudade de ti, tens guarida em meu coração. Participei de batalha de confete: aquelas festas que antecediam o carnaval. Ouvi muito reco-reco, na rua que hoje fica atrás da praça principal de Benfica.

Uma família simbólica foi Negra (que era branca), casada com Francisco e que tinham duas filhas Sueli e Neuza. Esta última foi secretária particular de Itamar Franco, em toda sua vida de político. Ele que foi tudo, citando-se: prefeito de Juiz de Fora, governador de Minas, deputado, senador, embaixador e Presidente da República.

Na área de uma várzea, meu tio Joaquim Minga tinha algumas casinhas e queria que os locatários as desocupassem. Diante da resistência deles, um dia tomou um fogo e foi a eles. Ao lado, num terreiro, uma moita de cana. Ele sacou do revolver e disse: “Meu revólver gosta de chupar cana”. Descarregou-o na touceira. Nunca vi advogado mais eficiente num despejo, pois, no dia seguinte seus temerosos clientes se mudaram. Se a moda pega...

Na rua Martins Barbosa tinha uma padaria tradicional, cujo nome do proprietário esqueci e que era pai de belas filhas, morenas. Afora os nomes citados, um só, um único nome permaneceu vivo em minha mente: José Soldado, que tocava na banda de música Euterpe de Santa Cecília, de meu tio Agostinho Almeida.

Não fiquei o ano inteiro (1952) em Benfica. Por motivo de minha doença, fui morar com outros parentes, no bairro Fábrica, onde me medicava numa farmácia bem pertinho. Naquele ano distante, eu me formei, isto é, tirei o quarto ginasial que, outrora, era quase ser doutor. E aí continuei minha vida em outras plagas, em incessante luta pela vida e com muito sofrimento. Segui pela porta estreita, venci; Maktub!

Talvez algum dia sintamos prazer em recordar estas vicissitudes, também.
Virgílio (70-19 a.C.), Eneida, 1

publicado no Benficanet em 24/08/2011
 
Comentários

Sergio Marinho - Juiz de Fora e Macaé - 05/11/2017
Muito bom o artigo Sr. Asséde Paiva. Sou bisneto do Miguel Marinho. Vou em Benfica sempre que posso. Meu pai, Sergio Marinho mora no sítio logo após a ponte para a Barreira e meu tio Luiz Marinho mora na casa seguinte. Um abraço.

Airton Martins Palhares - Serra-ES - 20/03/2014
Estudei neste colégio assim como os meus irmãos. Nesta foto a menina em pé á direita parece ser a minha irmã. Eu morava na rua Martins Barbosa nos anos 50/60 .

João Gomes da Silva - Além Paraíba - MG - 24/08/2011
Você está certo. Nega ou Negra (qual era seu nome certo?) era irmã de Imaculada e tinha muitos outros irmãos. Todos de Chapéu D'Uvas. Tudo gente boa.

João Gomes da Silva - Além Paraíba - MG - 24/08/2011
... de Benfica - o autor refere-se à Dona Nêga, disputada costureira, casada com Chico Assis, funcionário da FEEA, que tiveram os filhos: Suely, Magda Verônica, Neuza (que foi minha irmã de leite)e o caçula Assis. Deles, recordo-me, pois nasci e morei (até abril/1964) na Rua Diogo Álvares, 271. O Fernando, a que o autor menciona, não teria as irmãs Sílvia e Lúcia (??)

Asséde Paiva - Volta Redonda - RJ - 24/08/2011
Sempre fico orgulhos de ver meus textos publicados nesse sensacional site.
  
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